Verdades
Compreendemos a verdade com base no que conseguimos refletir a partir de nossas próprias características
Vamos explorar o conceito de verdade, algo que, ao longo da minha vida, transitou entre diferentes significados, como se a ausência de um sentido fixo gerasse uma inquietação filosófica contínua. Essa inquietação se manifesta como um vazio interior, exigindo certa coragem para acolher a falta de respostas diante de questões profundas, especialmente quando somos jovens. É comum, nesse período, experimentar um misto de indignação e busca, impulsionado por perguntas filosófico-religiosas que parecem reverberar eternamente:
Quem sou?
De onde vim?
Para onde vou?
Quando usamos o termo verdade para tentar responder a essas perguntas, ele muitas vezes assume um caráter limitado, e em certos casos, até mesmo dogmático. Uma analogia interessante que aprendi com a física é que enxergamos a cor de um objeto porque ele absorve todo o espectro de luz, exceto aquela que reflete de volta para nós. Assim como esse objeto, compreendemos a verdade com base no que conseguimos refletir a partir de nossas próprias características. Os cabalistas dizem que não podemos aderir ao Criador se houver disparidade de forma, sugerindo que o conhecimento humano da verdade está em constante desenvolvimento.
Na linguagem da Cabalá, “adesão ao Criador” descreve o processo de aproximação e compreensão do divino. Já na linguagem do Advaita Vedanta, essa adesão é vista como a essência humana obscurecida pela ignorância. Quanto mais nos aprofundamos na questão do que é a verdade, mais nos deparamos com dois arquétipos fundamentais presentes em várias tradições: o sujeito e o objeto, o Criador e a criatura. Quando tento resgatar a manifestação desses arquétipos na ciência contemporânea, me sinto perdido em teorias que frequentemente se vestem como fatos definitivos. Ao abordar questões existenciais, muitas vezes prefiro recorrer ao arcaico: às narrativas simbólicas dos povos antigos e às suas memórias compartilhadas.
Seria possível encontrar respostas quantitativas para perguntas como “Quem sou?”, “De onde vim?” e “Para onde vou?”. Existiria uma maneira não dogmática de escolher entre monismo e dualismo? Não tendo respostas definitivas para esses questionamentos, sinto-me mais confortável com uma verdade que esteja sempre em desenvolvimento, que possa ser expressa por meio de diferentes linguagens. A verdade, enquanto totalidade dos fatos, exigiria um entendimento que vai além do que a mente humana é capaz de conceber. Nesse sentido, a verdade absoluta permanece incompreensível, a menos que a própria mente se lance em uma jornada heróica para se fundir ao todo.
Inspirado na objetividade de Einstein, em Mein Weltbild (Como Vejo O Mundo):
O mistério da vida me causa a mais forte emoção. E o sentimento que suscita a beleza e a verdade, cria a arte e a ciência. Se alguém não conhece esta sensação ou não pode mais experimentar espanto ou surpresa, já é um morto-vivo e seus olhos se cegaram. Aureolada de temor, é a realidade secreta do mistério que constitui também a religião. Homens reconhecem então algo de impenetrável a suas inteligências, conhecem porém as manifestações desta ordem suprema e da Beleza inalterável. Homens se confessam limitados e seu espírito não pode apreender esta perfeição. E este conhecimento e esta confissão tomam o nome de religião. Deste modo, mas somente deste modo, sou profundamente religioso, bem como esses homens.
Respeito as inúmeras formas de religiosidade e a segurança que oferecem, especialmente em seus aspectos devocionais. As emoções são uma parte essencial do ser humano, então por que não abordar a busca pela verdade também de maneira emocional? No entanto, o perigo surge quando a devoção a uma “verdade” se transforma em desrespeito às outras. Isso porque, entre as emoções, encontram-se a raiva, o ódio e as variadas formas de intolerância. Não podemos nos enganar acreditando que possuímos a verdade absoluta, a menos que planetas, estrelas e todos os seres “dos universos” estivessem em total concordância com essa ideia.
A busca pela verdade não deve se fechar em respostas rígidas ou definitivas. Ela precisa se manter aberta e fluida, permitindo que novas experiências e perspectivas se integrem a essa compreensão. Talvez, ao aceitar a verdade como um processo contínuo e em constante transformação, possamos encontrar um ponto de conexão entre todas as narrativas humanas e cósmicas.
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